África quer voltar a atrair investimento do Brasil

Países da África subsaariana querem voltar a atrair investimento brasileiro, em meio à mudança da política externa nacional, que passou a privilegiar as relações com Estados Unidos e outros mercados maduros, em detrimento dos países emergentes.
Com economias ainda amplamente dependentes da agricultura de subsistência, os países africanos têm interesse principalmente em atrair a bem sucedida experiência do agronegócio brasileiro ao continente. Na expectativa de grandes investimentos em novas descobertas de gás, Moçambique quer alimentar a população que deverá se deslocar para novas regiões. Já Angola e África do Sul passam por mudanças políticas reformistas e esperam com isso atrair capital.

As exportações brasileiras à África cresceram de US$ 1,98 bilhão em 2001 para US$ 12,22 bilhões em 2011, mas voltaram a cair desde então, chegando a US$ 8,16 bilhões em 2018 – um recuo de 33% em relação ao pico, segundo cálculo do International Trade Centre (ITC), com base em dados do antigo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). O investimento brasileiro no continente é estimado em US$ 15 bilhões nos últimos 15 anos, conforme o banco sul-africano Standard Bank.

Goolam Ballim, economista-chefe do Standard Bank, maior banco africano, avalia que o auge das relações Brasil-África se deu durante os governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Desde então, há menor nível de assertividade. Muito do dinamismo inicial se perdeu”, diz Ballim. “Atualmente, [a relação entre as regiões] pode estar perto de seu ponto mais baixo em 20 anos, de um ponto de vista político.”

O economista lembra que o início dos anos 2000 foi marcado por um forte impulso diplomático para fortalecer o que era conhecido como “cooperação Sul-Sul”, o que foi feito de maneira geral sob os auspícios dos Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

“A ideia era que esses países eram as nações dinâmicas do século, e que eles teriam crescimento econômico significativo e uma forte expansão de suas classes médias”, recorda Ballim. Desde então, as trocas entre África e seus parceiros emergentes cresceram significativamente, mas voltaram a encolher em anos recentes, em meio à queda dos preços de commodities.

Ballim avalia, porém, que o caso brasileiro parece ser mais estrutural do que cíclico. “O Brasil teve que lidar com questões domésticas. Economia fraca e situação política fluida fizeram com que as relações internacionais, especialmente as voltadas à África, fossem relegadas”, diz. “Agora há outro presidente e também parece que o governo atual, assim com seus antecessores recentes, estão mais focados em questões internas do que no exterior.”

Além da mudança de cenário da política externa brasileira, investimentos feitos na África durante a época “áurea” das relações entre o país e o continente por empresas como Petrobras, Odebrecht e Andrade Gutierrez foram alvos de questionamentos no âmbito da operação Lava-Jato.

Mas representantes do setor privado e dos governos de países africanos dizem que a região segue oferecendo oportunidades de negócios atrativas. “A economia mundial está desacelerando, dos Estados Unidos, à Europa e China”, diz Fausio Mussa, economista do Standard Bank para Angola e Moçambique. “A África oferece aos investidores a oportunidade de acessarem mercados em forte crescimento.”

Em Moçambique, por exemplo, estão previstos US$ 65 bilhões em investimentos até 2024 em três projetos de gás natural liquefeito, numa economia com PIB de US$ 14 bilhões, pelos números de 2018. Cerca de 70% da população vive de agricultura de subsistência e quase 50% é pobre, sobrevivendo com menos de US$ 2 por dia.

“As instalações terão cerca de 40 mil trabalhadores ao longo de dez a 15 anos, a cidade mais próxima deve passar de 10 mil a 150 mil ou até 300 mil habitantes, e US$ 128 bilhões em investimentos deverão ser gerados. Isso é um mercado garantido para a produção agropecuária”, diz Paul Taylor, diretor de petróleo e gás do banco africano, destacando que o agronegócio brasileiro teria vantagem devido à experiência de produção no cerrado.

Lello Francisco, administrador da Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações de Angola (Aipex), avalia que houve uma redução na atuação de empresas brasileiras no país em anos recentes. Segundo ele, isso aconteceu principalmente na construção civil, devido à diminuição no ritmo de obras públicas como resultado da crise econômica angolana, decorrente da queda do preço do petróleo a partir de 2013 e 2014.
Com uma economia que depende da importação para suprir 90% do seu consumo, Angola compra do Brasil principalmente produtos agrícolas, com destaque para proteínas. “Temos potencial para produzir 100% do que consumimos. Queremos encontrar no Brasil investidores que, em vez de vender produtos acabados para Angola, produzam a partir de Angola para outros mercados”, diz Francisco.

Com o país sob novo governante após 38 anos de presidência de José Eduardo dos Santos, Angola realiza uma série de reformas liberalizantes, com a privatização prevista de ativos em petróleo, finanças, agronegócio e seguros. “Essas também são boas oportunidades de negócios para potenciais investidores brasileiros”, afirma.

Para Victor Williams, diretor de varejo e banco de investimentos do Standard Bank, mudanças recentes na conjuntura internacional também favorecem o investimento e trocas comerciais entre Brasil e países africanos. Ele cita como exemplos a criação em maio deste ano do Tratado Continental Africano de Livre-Comércio e a iminente saída do Reino Unido da União Europeia (UE), o Brexit.

“O investimento brasileiro na África tem se focado em três países: África do Sul, Moçambique e Angola”, afirma Williams. “Com o acordo africano de livre comércio, podemos potencialmente ver empresas brasileiras tendo maior facilidade para expandir sua presença para o restante do continente.”

Já a guerra comercial entre Estados Unidos e China e o Brexit abrem oportunidades, acredita. “A China está preocupada em resolver seus desafios com os Estados Unidos e o Reino Unido está muito preocupado em entender o mundo pós-Brexit”, afirma. “Empresas brasileiras podem ocupar essas lacunas, identificando, por exemplo, áreas onde o Reino Unido pode estar em desvantagem pois não será mais parte dos acordos existentes com a União Europeia.”

Para Williams, o principal efeito da mudança de orientação da política externa brasileira é sobre potenciais novos entrantes no mercado africano. “Talvez para aqueles que estejam considerando [investir] e ainda não têm laços significativos, o apoio governamental e a diplomacia econômica tenham papel mais importante”, afirma. “Por outro lado, investidores como a Vale, que já entenderam a oportunidade africana e têm uma visão clara do que pode ser feito, continuarão.”

Joseph Mashimbye, embaixador da África do Sul no Brasil, credita a “desaceleração” nas relações entre Brasília e Pretória à crise política e econômica brasileira nos últimos anos. Mas ele lembra que os países estarão juntos na Cúpula dos Brics em novembro, e se diz positivamente surpreendido com o pragmatismo do novo governo. “Durante a campanha eleitoral, eu estava preocupado que a nova administração pudesse não estar disposta a trabalhar conosco. Estou satisfeito que não é esse o caso, é um governo muito orientado ao mercado.”

O secretário de Negociações Bilaterais no Oriente Médio, Europa e África do Ministério das Relações Exteriores, Kenneth Nóbrega, diz que a política de promoção e investimentos brasileiros na África do governo atual é diferente das gestões anteriores. “Foi criado, por exemplo, um código de atuação para deixar muito claro o que o governo pode fazer em termos de promoção comercial de forma idônea.”

O embaixador nega que os países africanos tenham perdido espaço entre as prioridades da política externa brasileira. “O que acontece é que hoje o governo tem menos recursos para cooperação, há menos dinheiro.”

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